A Perversão e a Mente

Revista Brasileira de Psicanálise
versão impressa ISSN 0486-641X
Rev. bras. psicanál v.42 n.2 São Paulo jun. 2008


INTERCÂMBIO


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O funcionamento perverso da mente



El funcionamiento perverso de la mente



Peverse operation of mental life





Rui Aragão Oliveira2

Sociedade Portuguesa de Psicanálise 
Instituto Superior de Psicologia Aplicada, Lisboa

Endereço para correspondência





RESUMO

O autor aborda diferentes conceptualizações sobre o funcionamento mental associado à perversão, integrando contributos fundamentais de autores ingleses, franceses e sul-americanos. A ilustração de um caso clínico realça aspectos da relação psicanalítica, nas suas particularidades transferenciais e contratransferenciais, diferenciando aspectos técnicos do trabalho analítico.

Palavras-chave: Perversão; Falso self; Transferência; Contratransferência; Clivagem; Homossexualidade.

RESUMEN

El autor presenta distintas concepciones relativas al funcionamiento mental asociado a la perversión, integrando históricamente contribuciones fundamentales de autores ingleses, franceses y suramericanos. La ilustración de un caso clínico pone destaca aspectos de la relación psicoanalítica, en sus particularidades transferenciales y contra-transferenciales, distinguiendo aspectos técnicos del trabajo analítico.

Palabras clave: Perversión; Falso self; Transferencia; Contra-transferencia; Cisao; Homosexualidad.

ABSTRACT

The author mentions different conceptions about perversion and mental life. English, French and American psychoanalytical ideas about perversion and false self are discussed. A clinical case is present and takes in count transference and contra-transference aspects, as well as technical dimensions of the analytical work.

Keywords: Perversion; False self; Transference; Contra-transference; Split; Homosexuality.




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Freud sempre nos habituou ao estudo minucioso sobre a função de ligação entre o sujeito e o objecto, mesmo que perspectivada através do impulso e do fim pretendido. Depois, com os contributos de Winnicott (1971), Bion (1967) e outros, podemo-nos aperceber melhor da importância da relação do sujeito com a própria função de ligação, em que a teoria das relações objectais ganham uma expressão ímpar no campo psicanalítico.

A utilização de mecanismos de clivagem e de negação, e também o recurso à forclusão, permitem ao sujeito desenvolver áreas paralelas da mente, que se desenvolvem, racionalmente se conhecem, mas emocionalmente não se tocam– são as duas faces da mesma moeda, como Freud as celebrizou, e que, embora saibam da existência da face contrária, nunca se conhecem verdadeiramente.

O exemplo clínico da perversão é extraordinário na sua compreensão, embora complexo no manejo clínico.

Freud (1905) tinha já anunciado a ideia de maior continuidade na compreensão dos fenómenos psíquicos, não negligenciando os mecanismos perversos, ao afirmar que a neurose é o negativo da perversão. Independentemente dos desenvolvimentos conceptuais, que certamente não cabem aqui, ele tem o mérito de anunciar aquilo que outros mais tarde designam pela área perversa da mente.

Podemos perceber algo mais no funcionamento perverso da mente, que parece não assumir um objecto transitivo, mas sim um objecto alucinante, organizando-se em torno da função de ligação e não do fim pelo qual ele supostamente utiliza a dita função de ligação. Explico melhor através de um exemplo: se pensarmos no leito de um rio qualquer, podemos perceber que o seu objectivo final é desaguar no mar; mas que pode tomar diferentes direcções, consoante as particularidades dos terrenos que atravessa ou dos obstáculos que encontra; pode mesmo ser desviado. No perverso, o que encontramos é que ele perde o fim e fica somente pelo gozo do caminho ou dos caminhos diferentes; corre excitantemente por novos e diferentes, porém semelhantes, caminhos, mas já não sabe qual o seu fim.

E porquê então? Fundamental por duas razões, que mais adiante iremos exemplificar através de um caso clínico: 1) por ter essencialmente uma visão parcial de si próprio e do objecto/outro; 2) e pela denegação da realidade e as ansiedades daí despertadas, e onde as ansiedades de castração e morte ganham uma expressão importante.

Os contributos de M. Klein (1935), Fairbairn (1952) e Winnicot (1971), enfatizando questões etiológicas da perversão, que parece organizar-se precocemente numa fase pré-genital do desenvolvimento mental, dão, no fundo, especial relevo, tal como Freud o tinha feito já, às ansiedades de castração e às dificuldades de estabelecer processos identificatórios à figura parental.

Mas são os contributos da escola francesa, com J. Chasseguet-Smirgel (1978, 1986) e J. McDougall (1972, 1992) entre outros, que esclarecem determinantemente o funcionamento perverso da mente humana: 1) passamos a entender a perversão como sexualidade regressiva pré-genital, na qual o bloqueio à genitalidade se instala por ansiedade de castração; 2) a utilização, brutal por vezes, de mecanismos regressivos de carácter anal, através do qual as diferenças são negadas (de gerações e de género); 3) o recurso do controlo infantil omnipotente, e 4) a utilização de clivagem e negação, simultaneamente e em complementaridade, com uma extraordinária capacidade de reconhecimento da realidade, ao contrário do funcionamento psicótico.

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Estes factos deixam até hoje a psicanálise a discutir se a perversão se organiza na realidade como estrutura ou como mecanismos de defesa, mecanismo último de controlo de uma descompensação psicótica.

A organização perversa, cremos, é a defesa contra a relação que aparenta ter intimidade (M. Khan, 1969). O perverso precisa controlar a relação, tornando-se incapaz da reciprocidade: “recebo muito, mas dou só o quanto basta”, parece ser o seu lema!

Ele relaciona-se com objectos, mas não os tem como tal: usa-os, isso sim, para manter a sua ilusão de que pode viver sem objectos/sem o outro, negando eventuais sentimentos de dependência– estabelecem aquilo que se denomina de comunicação vazia, usando o outro como espelho, pelo qual se revê omnipotentemente em aspectos particulares. Não reconhecem a autonomia do outro, com direitos ou vontade própria, e quando tal se começa a instalar, desinvestem, matam internamente a relação. Daí o seu carácter saltitante a disperso nos relacionamentos afectivos.

Concebemos assim a perversão como uma patologia da relação, e que só poderá ser verdadeiramente percepcionada na relação com outro.

Resumidamente, podemos então diferenciar o mero comportamento sexual, tanta vez exclamado e repudiado, para assim nos apercebermos daquilo que alguns autores classificam de área perversa da mente, que, relacionado com as partes psicóticas e não psicóticas da mente, funciona como forma de o sujeito não sucumbir à psicose. É um funcionamento que elabora uma distorção da realidade, permitindo um funcionamento em– k, elaborando um ataque ao conhecimento e à verdade, e como tal permitindo uma construção mentirosa omnipotente. Evita realmente a psicose– do mal, o menos–, mas organiza fortemente a falsidade, e daí o profundo sentimento de vazio freqüentemente evocado.

André tem 41 anos, quando o recebo pela primeira vez. É magro, com ar simples, parecendo mais jovem. É Engenheiro e trabalha numa instituição pública.

Vive só, mantendo relações esporádicas homossexuais, “de engates” freqüentes. Queixa-se de se sentir só, triste e com a sensação de envelhecer.

Como não rendia na escola– “ia me safando”–, a mãe dizia-lhe sempre: “Deixa o teu pai chegar e vais ver…” Ele ficava sempre aterrado de medo. O pai chegava e levantava o olho e mais nada de especial.

Teve aos 18 anos uma namorada, que durou cerca de três anos (ela acabou trocando ele). Tinha um relacionamento sexual, mas sem nunca chegar à penetração (“tinha imenso medo dela engravidar”).

Numa fase de maior dispersão e tristeza, conhece colegas homossexuais, que se interessam por ele e com quem inicia relações.

Ao longo das sessões, vários são os sonhos exemplificativos dos principais movimentos suscitados pelo trabalho terapêutico, assim como as imagens que no decorrer das sessões espontaneamente evoca, como que servindo de ilustrações.

O seu empenho e quase deslumbramento pelo processo analítico é manifesto continuamente numa idealização clara da psicanálise e do analista; surgem igualmente sessões de uma profunda tristeza, com choros freqüentes, sentidos, à medida que se vai dando conta do seu mundo interno.

A imagem de neblina, caixão, caixa, muro grosso em volta que impede de ouvir e compreender vai ser uma evocação freqüente em todo o processo, evoluindo lentamente. Mais tarde é uma sonolência momentânea, que é vivida na relação, ou como actualmente denomina o “apagador da mente”, que serve para apagar coisas que partes inconscientes de si parecem não deixar trazer para a análise e para outras áreas da sua mente.

Nos anos iniciais da análise utiliza um caderninho no qual escreve o desenrolar das sessões obsessivamente, que rapidamente se acumulam em vários volumes. Um dia, ao reler os seus escritos, exercício freqüente e prazeroso, descobre com ansiedade que a “voz do analista” não é mencionada nos cadernos: “é como um relato da análise, mas em que você não está!”, diz admirado e receoso da minha reacção.

Também na relação este “apagar da mente” se fazia sentir, em que contratransferencialmente a voz e atenção do analista pareciam adormecer numa espécie de sono hipnótico; transformando transferencialmente o “pai” num objecto doloroso ausente. O trabalho com ele, habitualmente estimulante e cativante, tornou-se para o analista algo ansioso, invadido de sentimentos de impotência e incapacidade, e pensamentos repetitivos de que o paciente “está a adormecer-me”, mesmo que num contexto sequencial rico e importante.

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Este tempo de análise é essencialmente uma fase de descobertas, de ligações, quer desenvolvimentais, no tempo (passado-presente), como revelando algum dinamismo (partes com partes) e que formam um “novelo enorme, sem saber o que fazer com ele”.

É através de um sonho que se apercebe de por um lado se aliar ao analista e deitar o muro ao chão e outro lado que o torna impossibilitado de ouvir e compreender: está numa plataforma, tipo divã imenso de veludo rosa velho, suspenso nos arranha-céus, como sobre Nova York. Surge então alguém que vai para uma parte do divã e o desequilibra e ele tem que se agarrar ao veludo. Associa a plataforma ao divã analítico, “e este fulano será o analista?”, pergunta.

Parece que sente o analista como desequilibrador, destabilizador. Mas não será antes este sujeito uma parte de si mesmo, que sente essa sim desequilibrada, e que vai descobrindo no divã? No entanto, parece também recear talvez que possa desequilibrar este divã da análise.

Vão sendo trabalhadas as partes clivadas e os movimentos subjacentes, assim como o esforço para as integrar na análise. Sucedem-se sessões, nas quais, desesperado, vai chorando o vazio depressivo e a dificuldade de encontrar uma esperança de mudar; mas sente que “o pai” vai surgindo, vai-se desenhando, lentamente, assim como a noção de que a “voz materna” o impossibilita o acesso a esta “figura paterna”.

As questões do masculino e feminino, e da sua diferenciação vão sendo sonhadas, ainda que confusas.

Fala imenso sobre este poder da fantasia, mas do receio que isso desperta nele, “é uma espécie de voz do pensamento, da espontaneidade, do sem controlo, que me fascina, mas que receio, pela loucura que parece comportar”.

Ao longo do terceiro ano de análise, diz-me: “Fiquei a pensar na sessão de ontem… Fui depois ao ginásio, e estava no chuveiro e pensei, meio aliviado que ‘já me posso borrar’”, e associa isso aos miúdos, que se sentem seguros a borrar as cuecas, com a certeza de que existe alguém que cuida deles.

Analista: remeto para a relação e ao movimento de procura do outro, em que retém algo, mas também pode dar algo, para transformar, talvez… supondo a descoberta do espaço continente flexível e transformador.

Associa ao caderninho e aos usos que lhe deu (deixou espontaneamente de escrever), mas como se sentisse que vai tendo uma espécie de caderninho interno, construído na análise ou no analista que há dentro dele; “parece é ainda haver uma falta de sintaxe, de falha gramatical para algumas coisas, para traduzir por palavras algumas coisas”.

Analista: associo ao sonho do divã e de aqui podermos ir juntando diferentes partes, mesmo as mais desequilibradoras, que dificilmente “entram” no espaço da análise, reclamando no fundo pela outra face da dita moeda.

Mais recentemente traz-me um sonho angustiante, que traduz enorme violência: vai no autocarro (que não é habitual) em direcção a casa (que é propriedade da mãe). Lá fora, passa por um campo de treino militar, e que existe na realidade. O autocarro vai cheio, e assiste a uma cena de horror: um grupo de três rapazes e três raparigas– “é o número dos meus irmãos”, exclama!– são perseguidos por grupo de tropas especiais, que rapidamente matam os rapazes, e avançam violentamente sobre as raparigas. Nas pessoas do autocarro só encontra indiferença, o que o deixa ainda mais angustiado e prestes a entrar em pânico. Matam primeiro duas raparigas. Uma consegue fugir alguns metros. É especialmente bonita, fresca e cheira muito bem. Mas é brutalmente assassinada.

Chega ao seu bairro de autocarro, completamente em pânico, e à sua porta está um antigo colega, que é também homossexual e que não vê há muitos anos– “soube algum tempo atrás que ele está com sida”, acrescenta e que é habitualmente um receio seu! Conta-lhe nervoso o violento episódio que acaba de assistir, sugerindo esconder-se dentro dos muros da sua casa. Mas estranhamente o seu amigo não reage e responde calmamente, falando de cenas de engate em saunas etc. E acorda muito assustado.

Associa espontaneamente o muro protector da casa do sonho aos muros iniciais da análise e à função de apagar preocupações da mente. Parece notório igualmente a morte da parte masculina (os rapazes), que surge somente como uma expressão primária do paterno, violento e brutal (os militares terroristas), e que acabam também com a possibilidade da relação com o feminino (as raparigas). A cena do autocarro cheio traduz bem a vivência da solidão, incapaz de fazer frente às ansiedades, procede à clivagem do ego (resposta do amigo homossexual), que, percebendo a realidade, nega-lhe as emoções inerentes.

A minimização do papel do pai ou da função paterna, organizada pela criação de um espaço de ilusão, constitui-se como elemento central da compreensão psicanalítica de todo o processo. A ilusão de ser ele mesmo, paciente, o objecto principal de interesse sexual da figura materna, com anulações das diferenças sexuais e de gerações, remete-nos para a presença de funcionamentos mentais próprios da perversão (Chasseguet-Smirgel, 1978), em que a descoberta da importância do lugar ocupado pelo pai na mente da mãe se tornará essencial.

As cenas de engate, agidas mais intensamente nos três primeiros anos de análise, foram vindo a ser associadas à presença das ansiedades confusionais e de abandono, mas nas quais o uso do pénis– do seu e dos múltiplos parceiros– surge como espécie de última defesa, demonstrando assim a sua independência, diferenciação e masculinidade. Nas palavras do próprio, relaciona-se fundamental e compulsivamente com o pénis, que trazem acoplados a si inevitavelmente uma pessoa, qualquer uma! E sem dúvida permite-lhe assim manter a denegação da diferença do outro, impossibilitada que é a percepção do sexo diferente.

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Mas, como bem nos afirma Jacob Arlow (1986), a propósito dos processos identificatórios nas perversões, as identificações nunca são totais, e sim parciais, servindo múltiplos e variados propósitos. Estão sempre na busca da resolução de conflitos intrapsíquicos, reflectindo certo nível de formação de compromisso constituído pelo ego. A possibilidade de organização de identificações aos objectos idealizados, permitindo um jogo complexo de movimentos fusionais e diferenciadores, só parece ser possível no contexto de uma relação terapêutica, na qual o analista surge como figura compósita, com atributos maternais e paternais mesclados, permitindo a evolução definitiva de uma sexualidade pré-genital, que julga ilusoriamente superior.

Este desafio permanentemente a si colocado, de conseguir destruir barreiras diferenciadoras, limitadoras da e na própria realidade, parece constituir-se igualmente como um elemento central, no gozo de transgredir uma eventual lei (física, moral, social ou outra). Alimenta-se de uma fantasia anal, capaz de reduzir objectos diferenciadores a uma mescla de excrementos, onde se torna impossível distinguir diferenças. Quando esta neo-realidade, como lhe chama Joyce McDougal (1998), se desfaz, após um percurso em escalada de diversas transgressões (usualmente associada à sua vida sexual), o desespero e o desamparo instalam-se, seguidos de período depressivo intenso. Foi aliás numa dessas seqüências que procurou pela primeira vez análise.

A necessidade de nos apercebermos e trabalharmos as manifestações da perversão na transferência, na busca do progresso terapêutico, ultrapassando os múltiplos impasses que facilmente se instalam é um recurso e uma exigência técnica, que pensamos bem ilustrada no caso exposto, e habitualmente referenciada (Etchegoyen, 1978; Carignan, 1999, Mancia, 1993, Ogden, 1996). O trabalho analítico concentra-se menos numa espécie de descodificação do “acto sexual desviante”, mas sim na compreensão da natureza da transferência e contratransferência perversa que emerge no tratamento.

Com André é notória, na sua evolução psicoterapêutica, as ansiedades expressas pelo contacto com as partes mais desorganizadas da sua mente, em que o “receio de ficar louco”, nas suas próprias palavras, é inicialmente constantemente nomeado. A estrutura defensiva exposta parece ser uma defesa contra a psicose, contra a intolerância à dor mental e à desestruturação e dispersão do self.

O assinalar e o trabalhar da transferência perversa, que requer uma elaboração e um manejo da contratransferência do analista, têm sido um factor determinante no progresso do trabalho psicanalítico. Desse modo, pela reactivação transferencial, tem sido possível uma integração gradual das partes clivadas do ego, acompanhada da recuperação da imago paterna, agora mais competente e auxiliadora.

Em termos técnicos, a simples neutralidade analítica pode ser compreendida como uma repetição de uma permissividade parental que tacitamente encorajaria o funcionamento perverso (Carignan, 1999). Se assim fosse– o analista resguardar-se na neutralidade–, estaríamos a reduzir mais uma vez esta relação diferente e diferenciadora a algo que o paciente obtém invariavelmente em todas as outras, com um parceiro perverso, e esterilizando o potencial criativo analítico. Desta forma, podemos verificar os fenómenos freqüentes, nos quais parece querer inconscientemente colocar o analista na posição de mero observador anónimo, adormecido e sem presença no seu mundo interno; um voyeur das suas actividades sexuais compulsivas. Trata-se na realidade de procurar destruir o pensamento do analista, os seus instrumentos de reflexão (J. Chasseguet-Smirgel, 1986), possibilitando então a expressão de um desejo primário de re-descobrir um universo sem obstáculos, sem realidades diferentes, sem sexo (como vários sonhos e descrições o vão demonstrando); o acesso a um limbo, identificado ao ventre materno.

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Dominado por uma parte infantil do self, que narcisicamente o identifica com a mãe, não tolera qualquer separação, tornando-se incapaz de se constituir como uma identidade distinta. Pensamos, tal como Mauro Mancia (1993) afirma, que é esta parte do self que o impulsiona a modalidades de acting na procura de denegar a separação. O acto sexual perverso passa a constituir-se como defesa, reconhecida na transferência, em que o paciente procura controlar a eventual desorganização de um balanço narcísico delicado, no qual a angústia de morte predomina. A erotização compulsiva das suas relações, e também da relação analítica, pode ser compreendida como um método possível de criar ilusoriamente um sentido desesperado de vitalidade (Ogden, 1996), face a constante desvitalização interna.

Em termos evolutivos, parece importante diferenciar três aspectos:

1)  a anulação inconsciente da função analítica;

2)  a vivência de sentimentos de abandono e de solidão profundos e o recurso do sexo/masturbação para combater angústias de morte;

3)  e a descoberta do outro diferente, na relação, como capaz de se oferecer com qualidades para ser contido e como promotor de transformações possíveis, através da vivência analítica e presentemente em outras relações.



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Rui Aragão Oliveira 
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Recebido em 15.2.2008 
Aceito em 13.5.2008





1 Palestra na Sociedade Espanhola de Psicanálise, Barcelona, 20 de outubro de 2007. 
2 Sócio aderente da Sociedade Portuguesa de Psicanálise; professor auxiliar do Instituto Superior de Psicologia Aplicada, Lisboa.

http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0486-641X2008000200013

OLIVEIRA, Rui Aragão. O funcionamento perverso da mente. Rev. bras. psicanál,  São Paulo ,  v. 42, n. 2, p. 154-161, jun.  2008 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0486-641X2008000200013&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  11  fev.  2017.