TDAH - Sintoma e Significações


On-line ISBN 978-85-60944-35-4

An 8 Col. LEPSI IP/FE-USP 2011

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Atenção, sintoma! Sentidos e significações atribuídos ao transtorno de déficit de atenção e hiperatividade





Marianna da Gama e Silva



Este trabalho faz parte de um projeto de mestrado em curso que visa refletir sobre os sentidos e significações atribuídos ao Transtorno de Déficit de Atenção e I. Utilizaremos o método de pesquisa clínico-qualitativo e o trabalho será dividido em dois momentos. Primeiramente, realizaremos uma pesquisa bibliográfica e levantaremos elementos do espaço social e epistêmico que revestem este controverso diagnóstico e quais seus efeitos sobre a subjetividade das crianças, para então discutir sobre a diversidade clínica envolvida nesta nomenclatura que reduz manifestações subjetivas e sociais à categoria de transtorno. Num segundo momento, pretendemos realizar uma pesquisa de campo (entrevistas) com professores e examinaremos os achados à luz da psicanálise freudo-lacaniana. Muito já foi escrito a respeito da psicopatologização das questões escolares sob o nome de TDAH, entretanto faltam estudos dirigidos, especificamente, a repercussão deste fato na prática dos professores e a compreensão dos sentidos e significados conferidos pelos mesmos a este fenômeno. O paradigma psicanalítico embasará o projeto, trará uma reflexão do trajeto epistemológico organicista do quadro de TDAH e apresentará um contraponto entre a noção de transtorno e o entendimento de sintoma apresentado pela Psicanálise como tratamento ao real da angústia. Este projeto de pesquisa poderá, também, contribuir como um espaço de reflexão ética e propiciar práticas educacionais mais críticas.

Palavras-chave: TDAH, impasses escolares, psicanálise, medicalização, educação




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Atualmente, crianças com problemas de atenção e condutas hiperativas são facilmente identificadas com o diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, mais conhecido pela sigla TDAH. Trata-se do transtorno infantil mais freqüente e difundido atualmente, tendo recebido nos últimos anos uma enorme quantidade de investigações a respeito de sua causa, diagnóstico e tratamento. Livros sobre o assunto alcançaram a categoria de bestsellers, manchetes circulam nos jornais mais renomados do mundo e assistimos a uma explosão na venda de medicamentos para tratar este transtorno1. Nunca houve um caminho tão curto para se chegar a um diagnóstico que se apresenta banalizado como uma oferta comum para a nomeação e enquadramento da angústia que se manifesta na contemporaneidade.

Vemos na literatura médica e psiquiátrica descrições exaustivas sobre este transtorno. Não abundaremos na descrição deste quadro, definido pela ciência como um transtorno de base neurobiológica que se manifesta na tríade destacada no quarto volume do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM IV): hiperatividade, déficit de atenção e impulsividade. O diagnóstico envolve: exame da criança, entrevista com os pais e um questionário enviado à escola - principal responsável por encaminhamentos - para a coleta de informações. Este questionário (SNAP-IV2) possui 18 perguntas e deve ser respondido pelo professor ao avaliar o comportamento da criança. Ao responder afirmativamente a seis itens de um subgrupo, o diagnóstico de TDAH está feito. Questões vagas compõe este material, como por exemplo: distrai-se com estímulos externos, perde coisas, comete erros por descuido, fala em excesso. O tratamento recomendado é a base do composto químico metilfenidato, derivado anfetamínico com o nome comercial de Ritalina, associado a terapia cognitivo-comportamental (ROHDE, L.A.; BENCZIK, 1999).

Neste trabalho abordaremos o TDAH a partir de três perspectivas téoricas: a) o trajeto epistemológico deste quadro e sua hipótese etiológica, b) a consideração do referido fenômeno como resposta ao mal estar contemporâneo e c) o contraponto entre a compreensão médica científica de transtorno e o entendimento da psicanálise de sintoma como a melhor resposta do sujeito para tratar sua angústia.

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a) Ao examinar textos de diversos autores sobre o assunto, verificamos que o TDAH nada mais é do que um significante novo para algo muito antigo em que convergem interesses e efeitos da ciência e do mercado. As primeiras descrições médicas sobre o referido transtorno surgem no início do século XX. O conceito de hiperatividade possui seus antecedentes na "instabilidade motriz" (Ajuriaguerra), na "criança turbulenta" (Wallon), na "síndrome hipercinética" (Abramson), dentre outros (Tendlarz, 2006). Em 1947, a corrente anglosaxônica desenvolveu uma concepção neurológica segundo a qual os distúrbios de comportamento e de aprendizagem das crianças estariam relacionados a existência de uma "lesão cerebral mínima" (LCM). Inicialmente, pensava-se que um dano cerebral era mínimo demais para causar demais manifestações neurológicas, mas suficiente para alterar apenas o comportamento e as funções cognitivas. Porém, críticas a esta concepção e a constatação de que não havia nenhuma lesão fizeram com que o mesmo quadro passasse a ser denominado, em 1962, como "disfunção cerebral mínima" (Collares e Moysés, 1996). Collares e Moysés (1996), em seus escritos que se tornaram referência no estudo da medicalização das dificuldades escolares, apontam ainda que o TDAH teve como origem o chamado quadro de "dislexia especifica de evolução", que nada mais é do que uma suposição que inverteu a lógica da causalidade presente nas investigações a respeito da dislexia.

Em 1971, a descrição das manifestações clínicas desta entidade é ampliada e Wender agrega a este diagnóstico a hiperatividade, o déficit de atenção, a impulsividade, as dificuldades de aprendizagem e os transtornos afetivos (Tenderlaz, 2006). É então que em 1980, junto ao DSMIII, surge a síndrome de déficit de atenção em que é acrescida depois a hiperatividade, e na publicação do DSM IV, em 1994, o transtorno aparece com distinção de tipos e é definitivamente reconhecido como um dos problemas mais graves da saúde pública americana (Caliman, 2008). Contra suspeitas sobre a legitimidade do diagnóstico e a sua existência real, em janeiro de 1998 é organizado por Russel Barkley (2002), uma das maiores autoridades no campo, um Consenso Internacional que corroborasse a evidência científica do TDAH. Buscou-se com isto confirmar a natureza biológica e cerebral do transtorno considerado como uma condição médica real, incluindo a referência de dezenas de artigos médicos. Entretanto, o relatório explicitado pelo Consensus Development Statement on Diagnosis and Treatment of Attention Deficit Hyperactivity (1998) e publicado pelo Instituto Nacional de Saúde Americano (NIH), comenta que as hipóteses sobre alterações cerebrais continuam especulativas, que não há nada que ateste a existência do transtorno e reconhece ainda os riscos do tratamento com psicoestimulantes por períodos longos. Ainda que tal relatório date de 1998 e as descobertas da neurociência caminhem em ritmo acelerado, vale a pena sublinhar este achado uma vez que o Consenso foi organizado por Barkley e apesar disso teve respostas que questionavam a existência do TDAH.

Lemos nos trabalhos médicos, frases que reduzem o mal estar ao funcionamento biológico do sujeito: "A causa do TDAH é certo desfuncionamento cerebral" ; "os estudos com neuroimagens sugerem que os cérebros de crianças com TDAH são diferentes de outras crianças" ou ainda "o TDAH freqüentemente é genético e qualquer que seja sua causa específica (o que indica que a mesma não é conhecida), parece iniciar-se muito cedo na vida a medida que o cérebro está se desenvolvendo" (Stiglitz, 2006:12). Stiglitz, psiquiatra e psicanalista, aponta a imprecisão de tais achados, a excessiva heterogeneidade entre os elementos descritivos, a fragilidade científica e se surpreende com o fato de sobretudo o tratamento ser medicamentoso. Muitos artigos consultados sugerem que a etiologia do TDAH mais aceita considera que exista uma alteração de certos neurotransmissores. Cabe-nos então perguntar, levando em conta a neuroplasticidade: será esta variação funcional no cérebro causa ou conseqüência do transtorno? E essa questão central é justamente algo que não se sabe (Rebasa, 2006).

O levantamento bibliográfico realizado até agora nos mostrou que este transtorno é portanto uma construção que aponta de que forma o discurso médico ressoa no social com um timbre normativo, reduzindo manifestações subjetivas e sociais à categoria de transtorno. Entendemos que é oportuno e pertinente sublinhar que nem todos no campo psiquiátrico estão de acordo. Peter Bregguin (2002), psiquiatra americano, afirma não haver provas que evidenciem a existência do TDAH e que nunca foram encontradas diferenças orgânicas cerebrais ou reações bioquímicas diferentes em crianças hiperativas. Sendo o diagnóstico essencialmente clínico, o comportamento continua a ser o único quadro sintomático em que se apóiam os médicos para detectar o transtorno.

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b) Opiniões variam de acordo com o lugar e a época em que foram emitidas. Historicamente falando, como aponta Chauí (2010), nossa ciência é um fenômeno social e culturalmente produzido, ainda que atualmente seja concebida de modo desconexo com sua produção. Aparentes verdades inquestionáveis nada mais são do que fatos culturais e coletivamente condicionados, que se tornam reais no pensamento de determinada época. Morbidades que marcaram épocas e foram científica e socialmente legitimadas, simplesmente desapareceram, como é o caso da histeria. Scliar (2007), médico sanitarista especialista em saúde pública, nos traz um excelente exemplo da época da escravidão. Naqueles tempos, o desejo de fuga dos escravos era considerado uma enfermidade mental e recebia o nome de drapetomania. A falta de motivação para o trabalho era chamada de disestesia etiópica e em ambas situações o tratamento proposto era a chibatada. Nossa sociedade possui a tendência de discriminar e erradicar comportamentos socialmente não aceitos, considerados desviantes. Esta atitude demonstra porque a medicalização é tão bem aceita atualmente, uma vez que, como apontam Collares e Moysés (1996), responde aos anseios da sociedade. Seguindo este raciocínio, podemos pensar que o que aparece como patológico na criança de determinada época, talvez seja considerado como normal em outra.

Uma informação é tomada como verdadeira quando existe uma comunidade que a considere enquanto tal, e isso passa pelo modo das pessoas a utilizarem como guia de pensamento e ação. Foucault (1997), ao discutir a respeito desta questão, conclui que a verdade instaurada pelo poder, possui efeitos de poder. Isso deve ser considerado como ponto inicial para que possamos atuar a partir do reconhecimento de modo responsável deste vínculo entre verdade e poder.

A aceitação social acerca do TDAH ganha destaque na década de 60, quando houve um grande interesse governamental dos EUA em oferecer respostas às famílias de classe média baixa a respeito do fracasso escolar de seus filhos (Collares e Moysés, 1996). Soma-se a isto a guerra fria, a guerra do Vietnã, a corrida espacial, a juventude questionadora do movimento hippie, tudo isto contestando valores da sociedade americana3. Neste cenário de prosperidade econômica, foram bem aceitas as explicações médicas sobre a etiologia orgânica dos problemas de aprendizagem. Este diagnóstico se fortaleceu portanto no interior de uma sociedade que valoriza o indivíduo bem sucedido e produtivo, tanto é que diversas pesquisas ocupam-se de analisar a relação do TDAH com a criminalidade, desemprego e perdas econômicas, encarando-o como um fator de risco para o país (Matza apud Caliman, 2008). A partir destas colocações percebemos que contingências sociais, econômicas, políticas e morais fazem parte do que Caliman (2009) definiu como "fato TDAH" . Este projeto não pretende se debruçar sobre estes aspectos, mas a título de compreensão é importante considerar o panorama da construção sócio-médica do TDAH e o discurso hegemônico da ciência que o suporta. A respeito dos determinantes sociais envolvidos nos problemas de aprendizagem, faz-se imprescindível a citação da autora Maria Helena Souza Patto que em sua obra referência "A produção do fracasso escolar" (1990) , analisa de que forma o discurso social incide na produção das ditas dificuldades de aprendizagem.

Cada época busca portanto seus recursos para dar conta do mal estar que a caracteriza e de afrontar o impossível do ato educativo, que é estrutural como disse Freud (1937) sobre as três profissões impossíveis4. A medicação é hoje o recurso que a ciência e a tecnologia produziram e com ela tenta-se responder aos sintomas das crianças contemporâneas. Por outro lado, a desatenção e a hiperatividade são formas de expressar este impossível da educação e não deixam de ser também modos do sujeito não se deixar tomar completamente pelo Outro que o convoca, lançando mão do sintoma para tratar de seu sofrimento (assunto que será discutido adiante).

Extrapolaria os alvos deste trabalho apresentar os precedentes históricos da clínica médica positivista como um modelo de diagnosticar e propor tratamentos. No artigo, "Clínica(s): Diagnóstico e Tratamento", Léia Priszkulnik (2000) realiza uma excelente análise dos pressupostos e referenciais que suportam a clínica médica, contrapondo-os ao da clínica psicanalítica. Em ocasiões passadas, a Medicina ao menos buscava estabelecer um diálogo entre o saber médico e o saber psicanalítico e sociológico sobre os significados dos fenômenos ligados a saúde e a doença. O que assistimos, desde o final do século passado, é que a visão organicista e biologizante domina o discurso científico e social, deixando a psicanálise e a sociologia de lado e representanto um viés de fatores externos a ciência.

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c) O conceito de transtorno que representa a clínica médica psiquiátrica se opõe ao conceito de sintoma da clínica psicanalítica, sintoma como construção do sujeito. O diagnóstico médico de TDAH reduz a dimensão subjetiva ao corpo e, ao pretender dizer tudo sobre o paciente, acaba por não dizer nada sobre o sujeito que ali se encontra. Responde ao real velando a angústia e esta por sua vez retorna como um sintoma. De modo diferente, a psicanálise, ao trabalhar com o sintoma tomando-o como expressão do funcionamento inconsciente, busca localizar, em termos freudianos: o que ocorre com a libido que não está sendo utilizada para prestar atenção? O que ocorre que ela retorna ao corpo e este se torna inquieto e não responde ao chamado do Outro? Por essa razão dizemos que a psicanálise não classifica, mas, antes, toma o sujeito como responsável pelo seu gozo, pois a partir daí pode-se obter efeitos sobre a angústia. Como propõe Eric Laurent (2004), "desangustiar consiste em fazer surgir a pergunta pelo desejo", o que não deixa de ser mais trabalhoso.

Pensar sobre o TDAH a partir da psicanálise não deixa de ter ressonâncias sobre os assinalamentos de Freud sobre a angústia e a expressão no corpo. Em seu artigo "Inibições, sintomas e ansiedade", Freud (1926) apresenta esta tríade como três modos de resposta do sujeito frente ao real do trauma. Nessa perspectiva, a sintomatologia descrita pelo TDAH não deixa de ser efeito de uma forma de subjetivação (Legnani, 2008).

Num estudo sobre indicadores de risco para o desenvolvimento infantil, Kupfer e Bernardino (2009) encontraram uma estreita relação entre, de um lado, imagem corporal e dificuldade de separação dos pais e, de outro, agitação motora e dificuldade de aceitação da lei. Discutiram tais achados à luz da noção de TDAH e realizaram a seguinte observação: "se a função parental não foi bem estabelecida, o que impede a criança de se separar de seus pais, encontraremos nelas distúrbios na construção da imagem corporal e uma agitação motora - aliada a dificuldade de seguir a lei - correlativos a essa falha no estabelecimento da função parental". 

Entendemos que o declínio da função paterna5, eixo teórico estudado por importantes psicanalistas, se traduz na desqualificação simbólica daquele que ocupa o lugar de pai e exerce a função paterna. O que seria isto? Assistimos atualmente a pais desautorizados na educação de seus filhos frente ao saber técnico do discurso médico, além das contingências da vida moderna. No âmbito da imagem corporal, Kupfer e Bernardino (2009), supõe que ao faltar certa estabilização psíquica proposta pelo saber da função paterna - que "oferece uma simbolização da falta, uma resposta ao real da angústia de castração e uma contenção imaginária para o corpo" - a criança se vê submetida ao saber médico que nada tem a lhe oferecer sobre sua angústia, a não ser calar e silenciar seu corpo através de medicamentos. Diante disto, resta a criança responder através de uma agitação motora difusa, que encena no corpo uma falha na construção de seus contornos imaginários, a falha de uma imagem corporal incapaz de conter o transbordamento da angústia. Reconhecemos aí o quadro de TDAH, entendido pela Psicanálise como uma reação no corpo ao declínio da função paterna. Os sintomas, nesta perspectiva, são entendidos como uma forma de apelo pela intervenção da função paterna devido a dificuldades no processo de constituição do sujeito, capturado pelo desejo materno (Kupfer e Bernardino, 2009). Podemos notar a existência de uma conexão importante entre hiperatividade e angústia, apontada por Levin (1997) que afirma que a criança manifesta sua angústia pelo movimento, e entendida por Kupfer como um pedido para o restabelecimento da função paterna.

Logicamente existem crianças com dificuldades de atenção, impulsivas e agitadas, mas será necessário, clinicamente, compilar estas manifestações sob o nome de TDAH? Há um mal real que, de acordo com Stiglitz (2006), podemos pensar de acordo com os termos de laço e não laço com o Outro (sendo a desatenção um não laço com a palavra do Outro), ou em termos de um excesso pulsional, sendo a hiperatividade e a impulsividade manifestações de um corpo que não está regulado pelo simbólico. Porém não há nada que justifique a criação da classe dos TDAH que nada nos diz acerca da relação da criança com a aprendizagem, de sua conjuntura subjetiva, e para isso há que se fazer distinção entre o mal real e sua construção social. A prescrição de um medicamento para tratar de um mal estar que acomete a criança, toma o orgânico como causa e encerra e silencia qualquer pergunta pela verdade que o sintoma pode encarar. De acordo com Birman (1999), essa sedação indiscriminada da angústia humana através dos psicofármacos, representa um marco da atualidade e merece atenção especial, pois não implica o sujeito em sua problemática.

Cabe por fim ressaltar que não estamos nos posicionando contra o uso de medicamentos, que por vezes possuem efeitos benéficos, mas sim pelo uso cauteloso dos mesmos, pois como já bem assinala o neuropediatra Dr. Jaime Tallis (2006): "a medicação desresponsabiliza", pois se não há sujeito, não há quem possa se responsabilizar e formular perguntas pelo que acontece (p. 35).

Pretendemos mostrar que não se trata apenas de um diagnóstico que nos leva a investigar sua terminologia e etiologia, senão a ideologia que está em jogo quando pensamos na criança que é aceita na contemporaneidade. Isto nos leva a interrogar a prática diagnóstica habitual dentro das escolas para pensá-la a partir da psicanálise. A revisão bibliográfica sobre este tema nos faz pensar que os professores estão atentos aos sinais que indicariam que certa criança possui TDAH, mas não sabem o que fazer em sala de aula, se sentem desautorizados e não são escutados. Quanto mais sabem sobre o transtorno menos sabem sobre a criança que sofre. A administração de medicamentos às crianças para tratar um suposto transtorno orgânico, o enquadramento sob o diagnóstico de TDAH e as implicações decorrentes disto para a prática pedagógica cotidiana, são fenômenos carregados de sentidos e significações para os professores, embora exista uma lacuna nos estudos sobre este assunto que buscam resultados que possam vir a ajudá-los. Quando o que é medicado é a angústia, é preciso saber o quê do entorno social da criança está sendo medicado e com que pais e professores contamos. Ao tomar a psicanálise como referencial teórico, trata-se de balançar certezas e de "devolver ao sintoma sua dignidade", torná-lo "digno oponente" como disse Freud (1914) a respeito dos sintomas neuróticos.

Presenciamos crianças, famílias e professores submetidos ao domínio da prática médica e da atuação medicamentosa, sem que seus mal estares e sofrimentos possam ser escutados e considerados. De acordo com Coutinho (2009), os professores são os primeiros a sugerir que a criança tenha TDAH; o que reforça a importância do relato de professores, da reflexão crítica sobre o dito transtorno visando práticas e posturas mais éticas em relação ao modo como os comportamentos e sofrimentos infantis vem sendo compreendidos na contemporaneidade.



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1. Uma reportagem da Revista Época de 2006, "Remédios demais?",discute os riscos enfrentados por crianças medicadas com Ritalina, nome comercial do metilfenidato, e revela que no Brasil as vendas deste medicamento triplicaram nos últimos cinco anos. 
2. Questionário construído a partir dos sintomas do DSM IV pela Associação Americana de Psiquiatria. Disponível em: <http://www.tdah.org.br>. Acesso em: 15 de out. 2010. 
3. Hannah Arendt (1997), realiza colocações preciosas para pensar sobre a crise do mundo moderno articulada a crise na educação e a resposta do homem frente a esse mal-estar, isentando-se de assumir sua responsabilidade frente ao futuro das crianças, marca do que a autora chama de a crise da autoridade. 
4. Para Freud, governar, psicanalisar e educar são as três profissões impossíveis pois resultam sempre num mal-estar por não corresponderem ao ideal. O exercício da práxis traz o confronto com a impossibilidade. 
5. Conceito entendido pela psicanálise como o declínio do pai encarregado de inserir a criança no campo da linguagem e de transmitir a lei da cultura, a partir da separação entre mãe e filho e da renúncia da criança ao gozo de ser objeto do Outro (Kupfer e Bernardino, 2009).



http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?pid=MSC0000000032010000100051&script=sci_arttext&tlng=pt

SILVA, Marianna da Gama e. Atenção, sintoma! Sentidos e significações atribuídos ao transtorno de déficit de atenção e hiperatividade.. In: O DECLINIO DOS SABERES E O MERCADO DO GOZO, 8., 2010, São Paulo. Proceedings online... FE/USP, Available from: <http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC0000000032010000100051&lng=en&nrm=abn>. Acess on: 30 Dec. 2016.